
Exílio
Chegada a Portugal
Permanência em Portugal
Partida de Portugal
Fim do exílio
Anne Mathilde Kolb, ou Annette Kolb (1870 – 1967) – filha de um arquiteto paisagista alemão alegadamente descendente da casa (à época) reinante de Wittelsbach e de sua mulher, uma pianista francesa a cujo salão em Munique acorriam numerosos intelectuais e artistas – empenhou-se ao longo da sua vida em prol de uma solução pacífica para as relações conflituosas entre as «suas duas pátrias». Europeísta convicta, defende a ideia de uma Europa pacificada e unida à volta de um núcleo estabilizador franco-alemão, em intervenções públicas, folhetins e romances, mesmo quando estes últimos podem parecer apenas retratos de época da alta sociedade de Munique. Os seus romances autobiográficos (especialmente Das Exemplar (1913) e Die Schaukel (1934)) granjeiam-lhe os louvores de figuras como Rilke ou Hesse, e prestigiados prémios. As biografias que escreveu revelam as suas simpatias políticas (p.ex. Versuch über [Aristide] Briand (1929)) e o seu entusiasmo pela música (Mozart. Sein Leben (1937), Schubert. Sein Leben (1941)).
Condenada pelo governo da Baviera na sequência das suas intervenções pacifistas numa Alemanha entusiasmada pela guerra, é apenas por intervenção de Walther Rathenau, futuro ministro da República de Weimar, que em 1916 consegue partir para a Suíça, para aquele que será o seu primeiro exílio. Regressa em 1922 para a pequena localidade fronteiriça de Badenweiler, onde se instala ao lado da casa de René Schickele, o amigo a quem a unem a mesma origem franco-alemã e os ideais pacifistas, mais tarde também o destino exílico.
Com uma conhecida intervenção política em prol do liberalismo, da liberdade e da paz, AK atrai sobre si a desconfiança dos nazis. Para esta concorrem também as relações de amizade que a ligam a outros intelectuais e artistas (Thomas e Heinrich Mann, Taine, Giraudoux, Bergson, Remarque, etc.). Após a subida de Hitler ao poder e depois de proferir críticas abertas ao governo, AK parte para Basileia em 21 de fevereiro de 1933 e vem a exilar-se em França, com longas vilegiaturas no Luxemburgo, na Suíça, em Inglaterra e Irlanda, onde visita família e amigos, que lhe propiciam uma vida «em grande estilo». Católica e bilingue, furta-se às grandes dificuldades de adaptação de muitos outros exilados e adquire, três anos volvidos, a nacionalidade francesa. Instalada na rue Casimir Périer, nr.º 25, com um vasto círculo de amigos franceses, AK afasta-se interiormente da Alemanha, como confessa em carta ao amigo Schickele: «Ah, não acreditava ser possível um tão categórico afastamento da Alemanha. Antipatia. Frieza, por muito que se goste da natureza e de algumas [pessoas] individualmente, mas o conjunto… – não foi uma separação dolorosa, mas é uma quebra definitiva, um “não pertencer ali” até ao mais profundo [de mim mesma]». (carta de 23.3.1934, apud “Annette Kolb” (trad. minha))
No início de junho de 1940, perante a ameaça da invasão alemã, AK troca Paris por Vichy e esconde-se numa vila das imediações, quando o seu hotel é requisitado pelas tropas de Hitler, mas, perseguida pelo medo de ser reconhecida e denunciada, o que significaria a deportação para a Alemanha, inicia uma atribulada demanda por transportes que a levassem até à América, que havia visitado no ano anterior, convidada a tomar parte no Congresso Internacional do Pen-Club de Nova Iorque. Na agência de viagens propõem-lhe um voo com partida de Lisboa e, com o visto espanhol prestes a caducar, AK parte dois dias volvidos de Genebra para Barcelona, onde procura um voo direto para Lisboa, que apenas conseguirá três semanas depois. Quase sem dinheiro, escondida no hotel, vê em cada empregado um denunciante ao serviço do governo franquista e refugia-se na conclusão da biografia de Schubert.
Quando finalmente pensa ter conseguido um voo direto para Lisboa, constata que mais uma vez foi enganada: o avião não apenas se dirige a Madrid, como AK percebe tratar-se de um aparelho da Lufthansa, companhia com conhecidas ligações ao regime nazi. Todavia, depois de superados muitos perigos – «Je suis perdue» é a frase que mais repete por esses dias, como num leitmotif – , e de numerosas peripécias, que conta em pormenor no seu texto autobiográfico Memento, chega, finalmente, à capital portuguesa. A estada em Lisboa, à qual dedica apenas um último parágrafo da sua pormenorizada descrição da fuga, é referida como “apenas uma prova de paciência” (Kolb, 148). Todavia, nos pedidos de ajuda que endereça ao amigo Hermann Kesten, o escritor que, juntamente com Thomas Mann, colaborava com o ERC em Nova Iorque, está bem patente o desespero que sente nas semanas que passa em Portugal (cf. infra, cartas).
Em Nova Iorque, AK embora agradecida pelo acolhimento e o apoio que recebe, sofre dificuldades monetárias e de integração e, pouco depois do fim da guerra, em outubro de 1945, regressa à Europa: Irlanda, Paris, Suíça serão o seu primeiro porto de abrigo em solo europeu. O regresso à Alemanha e à sua Munique natal acontecerá apenas em 1961. Até ao fim da sua longa vida, AK continua ativa e socialmente empenhada: escreve, embora os seus livros já não mereçam os favores do público, viaja e recebe, também na Alemanha, numerosos prémios e distinções.
(Teresa Martins de Oliveira)
Do/a autor/a sobre o exílio