Local de permanência em Portugal

Zonas de residência fixa
Lisboa

Quando alguns dos primeiros refugiados alemães começaram a chegar a Portugal, logo a seguir à tomada do poder por parte de Hitler, depararam com uma regulamentação permissiva. Todavia, acompanhando o afluxo crescente de refugiados, em breve a política portuguesa de fronteiras se tornou sucessivamente mais restritiva – p. ex., quanto à proibição do exercício da profissão. Já no ano seguinte, em 1934, a concessão de vistos a judeus polacos dependia da aprovação prévia da PVDE [Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, antecessora da PIDE], medida essa que, em 1935, se estendeu aos russos, apátridas e, depois, aos portadores do passaporte Nansen (Pimentel: 52). E em 1936, a circular n.º 1 do Ministério dos Negócios Estrangeiros estipulava que os vistos a atribuir aos refugiados tinham uma duração de 30 dias (prolongáveis por mais 30 pela PVDE) ou de 48 horas, conforme fossem, respetivamente, vistos de «turista» ou de «trânsito» (idem: 56-57).
Com o início da Segunda Guerra Mundial, o número de refugiados aumenta, e a política restritiva portuguesa à sua entrada tornou-se ainda mais severa. A ocupação de Paris, em junho de 1940, e o avanço das tropas alemãs até aos Pirenéus deram origem a uma avalanche caótica de exilados que fugiam ao nacional-socialismo e à guerra rumo à Península Ibérica. Nesse mesmo mês, Augusto d’Esaguy, presidente da COMASSIS [Comissão Portuguesa de Assistência a Judeus Refugiados], deu a conhecer que, numa única semana, se haviam acumulado cerca de 18000 estrangeiros na fronteira portuguesa (idem, 118), na sua maioria judeus, muitos deles sem vistos válidos. Alguns vinham munidos com passaportes portugueses que, por razões humanitárias ou por mera cobiça, haviam sido vendidos ilicitamente por funcionários consulares – por isso, foram apreendidos. Muitos outros traziam vistos assinados por Aristides de Sousa Mendes que infringiu a conhecida circular 14. Nela se estipulava, entre outras medidas, que apenas os diplomatas de carreira estavam autorizados, e unicamente, a conceder vistos de trânsito aos refugiados, i. é, aos que possuíssem vistos de países terceiros, passagens aéreas ou marítimas para o destino definitivo, as respetivas reservas e, por vezes, até o comprovativo da compra do bilhete. Só estes casos deviam ser enviados para apreciação pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros que daria então (ou não) a aprovação definitiva. Ou seja: considerando-se Portugal país, não de exílio definitivo, mas apenas de trânsito, o Ministério apenas queria receber os estrangeiros que tivessem a saída garantida. No final do ano seguinte, os pedidos de trânsito passaram a ser da competência exclusiva da PVDE.
Dada a política de Salazar de conservação do regime e o seu receio de acolher estrangeiros vindos de países democráticos e culturalmente mais desenvolvidos, os exilados que cá entravam eram vistos como «inconvenientes», pois podiam perturbar a ordem pública e contaminar a moral de uma população conservadora de «bons costumes». Em 1940, ano da Exposição do Mundo Português, Lisboa encontrava-se congestionada de turistas e de refugiados. No final de agosto de 1940 haveria cerca de 11000 exilados na capital portuguesa, alugavam-se inclusivamente casas de banho e colchões colocados nos corredores (idem: 151).
Perante esse panorama, o diretor da PVDE, capitão Agostinho Lourenço, viu-se na necessidade de se deslocar à fronteira de Vilar Formoso, onde o caos se havia instalado, e de pôr em prática uma sugestão de Augusto d’Esaguy. De acordo com a nacionalidade de cada um, os considerados politicamente perigosos, os indocumentados e os que tinham vistos caducados eram canalizados, logo a partir da fronteira, para diversas estâncias balneares e termais no centro do país, áreas de residência fixa fora das cidades principais (idem: 128). Assim era possível controlar os refugiados com maior facilidade: funcionários da PVDE fiscalizavam hotéis, pensões e cafés, de 30 em 30 dias os exilados tinham a obrigação de revalidar a autorização de residência junto da polícia política e, sem autorização desta, era-lhes vedada qualquer deslocação da zona de residência para além de um raio de três a cinco quilómetros (Pereira: 59).

Pouco tempo depois da chegada dos exilados às diversas localidades, a respetiva paisagem social modificou-se pelos hábitos de modernidade e de cosmopolitismo que traziam consigo – sobretudo nas zonas de residência fixa, nas quais, devido à sua menor dimensão, praticamente todos se conheciam. As estrangeiras sentavam-se descontraidamente nos cafés e esplanadas sem companhia masculina, com cabelos curtos e a fumar, sem chapéu, meias ou luvas, vestiam fatos de banho considerados impúdicos pelos setores portugueses mais conservadores, hábitos que, todavia, algumas portuguesas começaram a imitar.
Vivia-se melhor nas zonas de residência fixa do que em Lisboa, havia pensões, quartos e casas à escolha e o apoio das organizações de auxílio era mais generoso (Pimentel: 237). No entanto, os exilados não se sentiam seguros, não só porque muitos dos alemães residentes em Portugal eram nacional-socialistas, mas também pelo receio constante de uma iminente invasão nazi da Península. Além disso, sem liberdade de se deslocarem a Lisboa onde estavam sediadas as embaixadas e as agências de viagem, a maior angústia dizia respeito aos vistos, tema que dominava as conversas nos microcosmos dos refugiados.

Pereira, Carolina Henriques (2017), Refugiados da Segunda Guerra Mundial nas Caldas da Rainha (1940-1946), Lisboa, Edições Colibri.
Pimentel, Irene Flunser (2008), Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial. Em Fuga de Hitler e do Holocausto, Lisboa, A Esfera dos Livros.
Schäfer, Ansgar (2014), Portugal e os Refugiados Judeus provenientes do Território Alemão (1933-1940), Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra.

Não sendo uma área de residência fixa, Lisboa, acolheu milhares de refugiados judeus e de perseguidos políticos em desespero, muito particularmente após a queda de Paris, entre junho de 1940 e o verão de 1941. Dessa avalanche faziam parte inúmeros fugitivos anónimos, mas também figuras da realeza, aristocratas, diplomatas, gente famosa das artes e do cinema, intelectuais, cientistas e espiões dos dois campos beligerantes. Enquanto os mais endinheirados se instalaram em hotéis como o Aviz, o Tivoli ou o Avenida Palace, os menos afortunados abrigavam-se em quartos alugados ou pensões modestas nas ruas secundárias. A Lisboa chegavam também refugiados das zonas de residência fixa para tratar de documentos que apenas aí se poderiam obter- «Lisboa está esgotada», descreveu o judeu alemão Eugen Tillinger.
A crer em vários relatos, e para além da hospitalidade portuguesa, as luzes feéricas de Lisboa, a música e a algazarra noturnas nas ruas, as montras cheias e iluminadas terá sido o que mais surpreendeu os refugiados, chegados de uma Europa em guerra, com racionamento e em blackout. Durante o dia, ao longo de semanas ou meses, os refugiados cumpriam uma rotina diária: faziam fila à porta da PVDE, das companhias de navegação e das embaixadas, tentando obter a documentação necessária para prosseguir viagem para o outro lado do Atlântico, aglomeravam-se junto das organizações de apoio, bem como dos correios para indagar na posta restante se havia correspondência da família ou a desejada carta de chamada vinda de além-mar. Realizadas essas tarefas, sentavam-se nas esplanadas do Rossio e da Avenida da Liberdade, trocando entre si notícias e boatos relacionados com a emigração e a guerra.
De entre as organizações portuguesas de ajuda aos refugiados, a que mais se distinguiu terá sido a COMASSIS. Criada em 1933 e com sede em Lisboa, lá abriu a Cozinha Económica Israelita, onde chegaram a servir cerca de 500 refeições duas vezes por dia. Geria também o Hospital Israelita e disponibilizava ainda cuidados médicos e medicamentos através de uma rede de médicos portugueses e refugiados, assim como de um acordo com algumas farmácias.
Com o final da guerra, a cidade esvaziou-se e, sem o estímulo das modas e dos novos costumes dos refugiados, voltou gradualmente aos velhos hábitos conservadores.

Pimentel, Irene Flunser (2008), Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial. Em Fuga de Hitler e do Holocausto, Lisboa, A Esfera dos Livros.
Ramalho, Margarida de Magalhães (2014), Vilar Formoso – Fronteira da Paz, Almeida, Câmara Municipal de Almeida.
Soares, Manuela Goucha (2020), «Refugiados judeus em Lisboa», Expresso Diário, 22 de janeiro (https://idi.mne.pt/pt/o-instituto/noticias/refugiados-judeus-em-lisboa – acedido em 27.06.2020).